A amostra com mais fibras (5) saiu de uma torneira de cozinha na região oeste de São Paulo. Depois vêm as garrafas de água obtida em torneiras de banheiro do parque Ibirapuera (4 fibras) e do Masp (3).
Os fragmentos de plástico já haviam sido encontrados em quase todos os locais pesquisados: nos oceanos, no gelo marinho, em lagos e rios remotos e na atmosfera. Mas, até agora, a água potável, não tinha sido examinada.
De Nova York a Nova Déli, o plástico está jorrando das torneiras. Cientistas dizem que não sabem como essas fibras chegam até os encanamentos domésticos ou quais são os riscos reais para a saúde humana.
Embora brasileiros não costumem beber água de torneira, ela é empregada aqui para cozinhar, o que levaria à ingestão das fibras. Além disso, o aquecimento pode liberar substâncias aderidas à superfície do microplástico.
Os aparelhos empregados na análise por Mary Kosuth, de Minnesota, com supervisão de Sherri Ann Mason, da Universidade do Estado de Nova York em Fredonia, permitiam detectar somente partículas maiores que 100 micrômetros de comprimento (o equivalente à espessura de dois fios de cabelo).
SABESP
A Sabesp, empresa de saneamento que atua em São Paulo e outros 366 municípios paulistas, não faz análises para constatar a presença de microplásticos na água que trata. A companhia ressalva que segue as exigências da portaria 2.914, baixada pelo Ministério da Saúde em 2011, que não faz menção a microplásticos.
No entanto, das 28 estações de tratamento de água da Sabesp na região metropolitana de São Paulo, duas estão equipadas com membranas de nanofiltração capazes de reter partículas.
Uma é a do Alto da Boa Vista (sistema Guarapiranga), que abastece as regiões sul e sudoeste da capital mais Itapecerica da Serra, Embu das Artes e Embu-Guaçu. Dos 16 mil litros por segundo que processa, só 2.000 l/s passam pela membrana.
A outra estação com membranas é a do sistema Rio Grande, que provê cidades como Diadema, São Bernardo do Campo e Santo André. Ali, um décimo da água –500 l/s da vazão total de 5.000 l/s– é submetido a nanofiltração.
A produção total de água potável na região metropolitana é da ordem de 60.000 l/s, em média.
CONTAMINANTES
Especialistas suspeitam que as fibras de plástico possam transferir produtos químicos tóxicos quando consumidas por pessoas. São poucos fragmentos por litro, mas esse plástico minúsculo é levado pelos rios até o mar, onde se acumula em animais que ingerimos, como ostras.
Segundo Felipe Gusmão, oceanógrafo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em Santos que não participou do levantamento Orb, materiais plásticos têm grande afinidade química com contaminantes presentes no ambiente, como pesticidas e metais pesados.
Gusmão diz que o programa internacional Pellet Watch, que monitora plásticos em praias ao redor do planeta, registrou algumas das amostras mais contaminadas entre as provenientes do mar de Santos.
Um estudo de seu grupo na Unifesp demonstrou que os contaminantes liberados por esses fragmentos, quando recolhidos na areia de praias de Santos, são tóxicos para larvas de mexilhão.
Em estudos com animais, como esse, “ficou claro desde cedo que o plástico liberaria esses produtos químicos e que, de fato, as condições do intestino facilitariam uma liberação bem rápida”, disse Richard Thompson, pesquisador da Universidade de Plymouth, no Reino Unido que foi um dos pioneiros na pesquisa de microplásticos no oceano.
As fibras se juntam a uma longa lista de poluentes que ameaçam as águas do mundo. Porém, os governos não sabem ao certo o que os microplásticos significam para o bem-estar da população.
“Isso deve servir de alerta”, diz Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz de 2006. “Sabíamos que esse plástico voltava para nós por meio da cadeia alimentar. Agora vemos que está voltando para nós na nossa água de beber.”
“Estudos sobre microplásticos no ambiente de água doce ainda são incipientes, mas a informação disponível sugere que a poluição por eles é ampla”, alerta Gusmão, da Unifesp.
TRUMP TOWER
A contaminação desafia a geografia: o número de fibras encontrado em uma amostra da água de torneira do Trump Grill, na Trump Tower de Manhattan (Nova York), foi igual ao encontrado nas amostras de Beirute, no Líbano.
Em Washington foram detectadas 16 fibras em garrafas de água coletada em lavatórios no Capitólio, sede do Congresso americano, e até da agência ambiental EPA. Ou seja, o triplo da pior amostra de São Paulo.
A Orb também encontrou plástico em água engarrafada e em casas que usam filtros de osmose reversa (aparelhos que empregam membranas semipermeáveis para retirar partículas do líquido, bactérias inclusive).
As agências reguladoras dos Estados Unidos também não estabeleceram normas de segurança para partículas de plástico na água potável.
“Não se pode decidir se esse é um problema real até entender como ele afeta o organismo humano”, disse Albert Appleton, ex-superintendente do departamento de água da cidade de Nova York.
“Temos dados suficientes, vindos da análise da vida selvagem e dos impactos que ele está tendo sobre os animais selvagens”, diz Sherri Ann Mason. “Se isso está afetando [a vida selvagem], como podemos achar que não vai nos afetar de alguma forma?”
A cada ano, 270 milhões de toneladas de plástico são produzidos no mundo. Mais de 40% é usado uma vez e descartado, mas o plástico persiste no ambiente por séculos.
Pesquisadores encontraram fibras de plástico em peixes do sudeste da Ásia ao leste da África e à costa da Califórnia. Os microplásticos são tão densos em algumas partes dos Grandes Lagos, na fronteira entre Estados Unidos e Canadá, quanto nos oceanos. “Ele está em todos lugares”, diz Mason.
ROUPAS
Existe apenas uma fonte confirmada de poluição de fibras de plástico: as roupas de tecido sintético. Elas soltam até 700 mil fibras por lavagem. Nos EUA, estações de esgoto retiram mais da metade delas. O resto é despejado nas vias fluviais públicas –29 toneladas por dia.
Outra fonte pode ser o ar. Um estudo de 2015 estimou que 3 a 9 toneladas de fibras sintéticas se depositam sobre Paris a cada ano.
Isso pode explicar por que as fibras são encontradas em fontes de água remotas ao redor do mundo. Mas a Orb também encontrou fibras em amostras de águas subterrâneas. As fibras microscópicas de plástico são realmente pequenas o suficiente para contaminar poços e aquíferos? Estamos diante de um mar de incógnitas.
As fibras se acumulam no intestino humano? São prejudiciais? Qual é o perigo, por exemplo, se as fibras de plástico absorverem desreguladores endócrinos, moléculas capazes de alterar o sistema hormonal, antes de chegarem à água de torneira? “Nunca pensamos seriamente nesse risco antes”, disse Tamara Galloway, ecotoxicologista da Universidade de Exeter.
As cidades estão apenas começando a atentar para a poluição por fibras de plástico. Uma diminuição da velocidade do processo de tratamento de esgoto permitiria a captura de mais fibras de plástico, disse Kartik Chandran, um engenheiro ambiental da Universidade Columbia (EUA). Isso também poderia aumentar o custo.
O desafio é criar substâncias mais seguras, mas que sejam tão convenientes quanto os plásticos de hoje.
As soluções iniciais incluem bioplásticos, polímeros feitos de fontes como amido de milho ou raiz de mandioca, e AirCarbon, um plástico biodegradável produzido a partir da coleta de gases de efeito estufa. Em outros lugares, empresas estão usando proteínas feitas de teia de aranha para fiar um tecido que talvez seja mais durável que os sintéticos.
Enquanto isso, filtros domésticos e para máquinas de lavar roupas, específicos para microfibras, estão ganhando popularidade como forma de reduzir a poluição dos microplásticos.
“Já que o problema do plástico foi criado exclusivamente pelos seres humanos, por causa da nossa indiferença, ele pode ser resolvido pelos seres humanos, se prestarmos atenção nele”, recomenda o nobelista Yunus.
“Agora, o que precisamos é de determinação para resolver isso antes de sofrermos as consequências.”
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Quantidades enormes de plástico são ejetadas para o ar ou lançadas em rios e oceanos
Menos saquinhos
As sacolas duram até 500 anos no oceano; a dica é apostar nos recipentes reutilizáveis para transportar ou guardar comida
Sem canudinho
Estima-se que todos os dias 1 bilhão de canudinhos são descartados diariamente –e raramente é um aparato indispensável
Tchau, lã sintética
Centenas de fibras sintéticas são produzidas a cada lavagem. O ideal é lavá-las com menos frequência ou procurar filtros para as máquinas de lavar
Escova natureba
Alternativas à escova de dente de plástico –que raramente é reciclada corretamente– incluem escovas de material alternativo, como bambu ou linho
Tinta na lata
Látex e tinta acrílica são plástico líquido. Ao lavar pincéis, vão ralo abaixo e poluem as águas. Pode-se buscar um descarte alternativo ou tintas não plásticas
Carregue a garrafa
É preferível que se use garrafas de vidro ou que se reutilize uma mesma garrafa de plástico várias vezes para evitar a decomposição em microplásico
Carona
Ao pegar carona e utilizar transporte público -além de incentivar amigos a fazerem o mesmo-, atenua-se o impacto dos microplásticos produzidos por pneus
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Dicas para evitar que os microplásticos sejam problema ainda maior
Tchau, lã sintética
Centenas de fibras sintéticas são produzidas a cada lavagem. O ideal é lavá-las com menos frequência ou procurar filtros para as máquinas de lavar
Pó do Pneu
Levado pela água para os bueiros, segue para córregos, rios e oceanos. A cada 100 km rodados, são produzidos mais de 20 gramas de pó
Tintas
Além de marcar o asfalto e revestir navios e paredes, tintas também se acumulam. Elas totalizam cerca de 10% do total da poluição do tipo
Microplásticos secundários
7 milhões de toneladas de plástico são depositadas anualmente em rios, lagos e oceanos. As partículas até entram na cadeia alimentar
Fibras sintéticas no ar
Há plástico na atmosfera, provavelmente proveniente das roupas sintéticas. Em Paris, estima-se que há mais de 3 toneladas sendo ejetadas no ar a cada ano
Microesferas
Alguns produtos de limpeza nos EUA e no Canadá continham microplásticos, mas foram banidos. Segundo estimativas, 8 trilhões de microesferas poluíam vias fluviais americanas
Colaboraram PHILLIPPE WATANABE, GABRIEL ALVES e BEATRIZ IZUMINO, de São Paulo
fonte: http://m.folha.uol.com.br/ambiente/2017/09/1916146-ha-microplasticos-na-agua-da-torneira-de-todo-o-mundo-inclusive-no-brasil.shtml
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